por Encontro com Espectadores – Kil Abreu

 

O 17º Encontro com o Espectador, promovido pelo site Teatrojornal – Leituras de Cena, aconteceu em uma bonita tarde de domingo, 25 de março de 2018, no Itaú Cultural, em São Paulo (SP). Do lado de fora, na Avenida Paulista, a vida corria como um grande piquenique, com gente ocupando as pistas, enquanto lá dentro artistas, críticos e espectadores também discutiam a convivência, mas em torno do teatro e do espetáculo Pagliacci, do grupo La Mínima. O crítico Valmir Santos conduziu o bate-papo com os atores Fernando Sampaio e Fernando Paz.

E começamos falando de outro encontro, mais antigo – o de Sampaio (o palhaço Padoca), com Domingos Montagner (palhaço Agenor), no Circo Escola Picadeiro, na capital paulista. Foi quando nasceu o grupo, batizado pelo dramaturgo Naum Alves de Souza e, no princípio, sob a orientação do mestre Roger Avanzi, o palhaço Picolino II (Circo Nerino), do diretor da escola, José Wilson Leite, na arte do trapézio volante, e do Mestre Maranhão, na acrobacia cômica.

O jornalistaValmir Santos e o ator Fernando Sampaio | foto: Beth Néspoli

Desde lá, 1997, foram criados uns tantos importantes espetáculos. Sobre esse percurso temporal o crítico Valmir Santos ressaltou a identidade estética do La Mínima, que se mantém ao longo do tempo, forjada não no fechamento e, sim, na abertura à colaboração com outros artistas do teatro e do próprio circo – em montagens como À la Carte (2001), Luna Parke (2002), Reprise (2007), O Médico e os Monstros (2008), A Noite dos Palhaços Mudos (2008), Mistero Buffo (2012) e neste Pagliacci (2017). A companhia visitou um sem-número de repertórios tendo a arte circense como fundamento. Da palhaçaria tradicional ao melodrama, das histórias em quadrinhos à crítica política, arregimentou parceiros e parceiras vindos de vários campos de atuação.

No debate entre artistas e plateia, no domingo, um dos temas recorrentes foi a inspiração na ópera de Ruggero Leoncavallo, Il Pagliacci. Francamente tomado pelas atitudes morais do século XXI, em que a proclamada defesa da honra masculina parecia justificada, o argumento original ganhou leitura crítica na dramaturgia do espetáculo, criada por Luís Alberto de Abreu em conjunto com os atores e a direção. “Foram muitas, muitas idas e voltas”, conta Fernando Paz. O moralismo de origem ganhou, na encenação brasileira, o forte contraponto da personagem Strompa, interpretada por Carla Candiotto. Como antídoto à carolice e à incorreção política de Leoncavallo, Strompa é mulher forte e corrige, em ato, os rumos de um destino que parecia inexorável para a condição feminina.

A participação da plateia na conversa revelou que, ainda que todos concordem não ser possível tratar certos temas sem vigilância, sob risco de depreciação do humano, é preciso encontrar as mediações certas para que essa percepção não acabe por se transformar em uma nova manifestação do moralismo.

Na frente propriamente artística, os atores explicaram que o processo de criação do espetáculo foi marcado por muitos improvisos a partir do argumento trágico central. O elenco preparou mais de 40 cenas, entre as quais estavam as efetivamente transformadas em dramaturgia por Abreu.  Ao ser perguntado sobre quais foram os maiores desafios da montagem, Fernando Sampaio respondeu: “A música e a adaptação de uma tragédia. Mas os desafios já fazem parte da história da companhia. Foi assim, por exemplo, quando resolvemos adaptar uma HQ para a cena A Noite dos Palhaços Mudos, de Laerte, ou quando resolvemos fazer os monólogos de Mistero Buffo com três intérpretes”.

Já ao final do bate-papo, o tema foi a produção de um espetáculo como Pagliacci, que envolve muitos artistas e tem acabamento material bastante esmerado. Como e com que meios se coloca de pé uma obra desse tamanho, que tem exigências de toda ordem? A resposta foi: “Apenas com subvenção”, respondeu Sampaio. Assim como boa parte das montagens que têm grande valor artístico mas pouca possibilidade de sustentação comercial, trata-se de um trabalho que só pode chegar ao público se sua produção for subvencionada. No caso de Pagliacci, o patrocínio é do Sesi, que oferece o espetáculo com entrada gratuita. 

Pagliacci tem encenação assinada por Chico Pelúcio, ator do mineiro grupo Galpão, e no elenco: Alexandre Roit (Canio), Carla Candiotto (Strompa), Fernando Paz (Peppe), Fernando Sampaio (Silvio), Filipe Bregantim (Tonio) e Keila Bueno ou Carla Martelli (Nedda). A composição original e a direção musical é de Marcelo Pellegrini, iluminação de Wagner Freire, cenografia de Marcio Medina e Maristela Tetzlaf, figurinos de Inês Sacay e direção de produção de Luciana Lima. Concluída a temporada no Teatro Popular do Sesi, o espetáculo segue em apresentações pelo interior de São Paulo.

Sobre Ratos e Homens na próxima conversa

Nesta já instalada nova fase, sob o apoio do Itaú Cultural, o Encontro com o Espectador segue com sua edição mensal, sempre às 15 horas, no último domingo do mês. O próximo será no dia 29 de abril, em torno do espetáculo Sobre Ratos e Homens, montagem a partir da obra de John Steinbeck e dirigida por Kiko Marques. A amizade é o afeto abordado nessa peça cuja trama envolve dois trabalhadores de uma fazenda, em tudo diferentes, da compleição física à personalidade, que unem forças e sonham comprar juntos um pedaço de terra para ter uma vida melhor. Nesse ambiente onde predomina o masculino e as relações de poder giram em torno da propriedade, a presença da esposa do filho do patrão será elemento de desestabilização e conflito.

Na 18ª edição do Encontro com o Espectador, a conversa entre críticos, artistas e espectadores será conduzida pela jornalista e crítica teatral Beth Néspoli e contará com a participação dos atores Ando Camargo e Ricardo Monastero, este último também responsável pela tradução do texto de Steinbeck. O espetáculo fará quatro apresentações no Itaú Cultural, de 26 a 29 de abril, de quinta a sábado, às 20 horas, e domingo, às 19 horas, com entrada gratuita. Quem não viu na temporada terá agora a oportunidade de ver, ou mesmo rever, e depois compartilhar pontos de vista na conversa de domingo. Até lá.

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