Olhares sobre a Covid-19, Marco Zero | relato 1: China
24/04/2020 - 08:00
Editor do blog About Light, Cassiano Viana tem conversado com fotógrafos residentes em diversos países sobre os impactos, as transformações e o cotidiano durante a crise mundial da covid-19. “Não é sobre técnica ou sobre o ato de fotografar em si. É muito mais uma correspondência com pessoas de diferentes realidades e que têm o olhar, a observação e o registro através de imagens como meio de expressão e forma de materializar os sentimentos nesses tempos de isolamento”, explica Viana.
O Itaú Cultural passa a publicar, a partir de hoje e semanalmente, Olhares sobre a Covid-19, Marco Zero, com relatos sobre os primeiros dias da pandemia. O primeiro vem da China, onde tudo começou.
Olhares sobre a Covid-19, Marco Zero, relato 1
Zeng Jia – Pequim, China
À espera da primavera
por Cassiano Viana
Os primeiros dias de abril são reservados, na China, para o Qingming, data que corresponde no Brasil ao feriado de Finados. Esse período, dedicado a uma série de rituais de reverência aos mortos e antepassados, se encerra no primeiro dia do quinto período solar, com a limpeza dos túmulos.
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A data, neste ano de 2020, aconteceu dois meses após o início das restrições e medidas para conter a covid-19 naquele país. Na China, desde o surgimento da doença, já foram quase 4 mil vítimas.
“No dia 4 de abril, às 10h, a cidade de Pequim parou. A China parou. Todos que estavam nas ruas, no metrô, no trabalho pararam”, conta, por e-mail, o fotógrafo chinês Zeng Jia. “Muitos se reuniram na Praça Tiananmen [a Praça da Paz Celestial, a mesma onde ocorreram os protestos em 1989] e permaneceram em silêncio por três minutos”, lembra. “Em todo o país, a bandeira nacional foi colocada a meio pau. Em todo o país, o povo chinês lamentou seus compatriotas mortos”, conta.
Zeng tem 26 anos, mora em Pequim e começou a fotografar há três anos. Pergunto o que ele lembra do estágio inicial da covid-19, quando foi anunciado o paciente zero, em dezembro do ano passado. “Na época, nem especialistas nem a mídia perceberam a seriedade do problema. Então tivemos o bloqueio de Wuhan e acho que desde então o governo fez o seu melhor”, avalia.
Como é realizado com a chegada da primavera, o Qingming, além da conotação de luto e respeito aos mortos, é uma festa da alegria, pois nessa época, segundo a tradição chinesa, com a chegada das temperaturas amenas, é o momento do plantio e da esperança da colheita farta no próximo ano.
“Estamos bem, minha família, meus amigos e eu. Não saímos de Pequim”, conta Zeng Jia. “Muitos trabalhadores e médicos que ajudaram Wuhan e outras províncias começaram a retornar às suas cidades natais. Até onde sei, o país já passou por seu momento mais difícil”, avalia.
Zeng Jia lembra a primeira vez que ouviu falar da covid-19. “Para ser sincero, fiquei um pouco assustado ao lembrar o Sars, em 2003. Pequim viveu um momento difícil na época. Eu tinha 9 anos, lembro que as escolas foram fechadas por quase dois meses. Agora, adulto, vendo que as pessoas não têm coragem de sair, mesmo quando as ruas estão vazias e é necessário usar máscaras realmente por todo o tempo, percebo que a situação é tão grave quanto 2003”, observa.
Uma coisa a destacar: a covid-19 explode logo no início de um dos períodos de celebração mais importantes da China: o Festival da Primavera, o Ano-Novo chinês, o feriado mais importante do mundo asiático, o primeiro dia do ano do calendário chinês. Os festejos duram 15 dias. É nesse período que as casas e ruas são enfeitadas com lanternas vermelhas, para comemorar a chegada do ano novo.
“Geralmente, é um momento em que as famílias comemoram a reunião anual. Acredito que seja tão importante quanto o Natal para os ocidentais”, explica.
A covid-19, no entanto, mudou tudo.
Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light.