por Amanda Rigamonti

 

Se para Gabriel García Márquez, “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”, então também a história que fica da gente, e que passa a ser escrita e contada após a partida, é o fruto das memórias que deixamos com os outros. E Zuza foi uma pessoa que marcou a vida de muitos.

Para homenageá-lo, pessoas que o conheceram e foram impactadas e inspiradas por seu trabalho contam aqui parte dessas memórias que ficam do escritor, jornalista e pesquisador, falecido no último domingo, 4 de outubro, aos 87 anos.

“Baixista, engenheiro de som, musicólogo, profundo conhecedor de jazz e da canção popular. Tive a honra de ter um texto de apresentação sobre meu segundo disco escrito por ele. Atento, generoso, apaixonado por música. Quando jantamos para conversar sobre o álbum, ele nos contou de uma estrutura de canção que tem como característica uma introdução que nada tem a ver com o que vem depois. Trata-se de um recitativo, e ao dizer que sentia falta desse tipo de música citou como exemplo ‘Dindi’, de Tom Jobim, e ‘Clarice’, de Caetano Veloso. Cada encontro com Zuza era uma aula, e o aprendizado com o qual nos presenteou permanecerá vivo em nós.

Tulipa Ruiz, cantautora e ilustradora

 

“Zuza Homem de Mello é um acorde em sol maior. Como astro, ele aquece e nos ilumina. Eu tive o prazer de conhecer o Zuza no aniversário de um amigo em comum, em um bar. E eu estava com uma camisa um pouco extravagante. Ele havia comentado com sua companheira: ‘Olha só, quem usa uma camisa dessa tem de ser artista’. Ele estava de chapéu e óculos, não o reconheci, e falei: ‘Obrigado. Prazer, Renato’, e ele: ‘Zuza. Senta aqui e toma alguma coisa comigo’. E foi assim que conheci esse homem generoso, sábio, que nos ensinou a potência da música e nos levou a percorrer coisas que nós não vivemos, mas que ele escreveu e nos contou. Ele é um mago. Ele é atemporal. Zuza Homem de Mello. Se ele tiver de voltar algum dia para esta dimensão, ele voltará como canção. Ele é a música.

Renato Gama, cantor compositor e produtor cultural

 

“Zuza foi grande inspiração na minha carreira profissional. Ele me proporcionou um horizonte amplo e bem-educado sobre a interseção da música com a tecnologia, a ocupação inteligente dos espaços e pautas, a nobreza da curadoria, a responsabilidade ao tratar com a arte, a gentileza obrigatória no convívio. Deixa um exemplo de vida.”

Pena Schmidt, produtor musical

 

“Zuza era um ser muito especial. Foi uma das pessoas mais alegres e incentivadoras que conheci. Recentemente falamos sobre sua biografia de João Gilberto. Ele me pediu para ler e opinar sobre capítulos onde falava de aspectos musicais teóricos. Estava muito feliz com esse projeto que, felizmente, pôde finalizar. Suas gargalhadas, seus conselhos e seu conhecimento estarão sempre comigo e com os muitos amigos que deixou.”

Mario Adnet, compositor, arranjador e produtor musical

 

“Eu li tudo que o Zuza escreveu – os livros, claro – e não tem tamanho o que eu aprendi com ele. Para mim, não tem nenhum texto melhor de quem escreve sobre música no Brasil. Leve, coloquial, profundo, informativo, usando a vantagem de ser músico para ajudar a esmiuçar coisas que só quem é músico tem como esmiuçar e escrevendo esse tipo de coisa de um jeito que qualquer pessoa entenda, sem precisar ser músico também. Todo mundo que escreve sobre música escreveu nos últimos anos ou escreverá nas próximas décadas tem seu tributo a pagar hoje.

E tem aquele milagre que sempre me espanta: Chico Buarque, o MPB4 inteiro, violão e percussão em volta de um único microfone cantando ‘Roda Viva’ no Festival de Música Popular Brasileira, e a gente ouvindo tudo. Sempre falo disso para os técnicos e engenheiros de som com quem trabalho. Qual é o segredo? O cara que cuidava de toda a técnica de captação de som da Record na Era dos Festivais. Que era o mesmo cara que tinha estudado baixo com o Ray Brown, entrevistado o Charles Mingus na fase em que o Mingus estava mais arredio com jornalistas brancos (mas como resistir àquele sorriso, àquela maciez e àquela inteligência?) e aprendido os segredos da gravação e transmissão de música com os melhores técnicos da Nova York dos anos 1950. Um cara chamado Zuza Homem de Mello.”

Arthur de Faria, jornalista, compositor e produtor musical

 

(imagem: divulgação)
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