O clássico Psicose, de Alfred Hitchcock, foi recriado com músicas, fotos e vídeos disponíveis em bancos de mídia on-line na videoinstalação homônima da dupla paulistana Gisela Motta e Leandro Lima. A proposta foi levantar questões de ordem estética, ressignificando imagens e questionando o limite entre original e cópia. O trailer da obra pode ser assistido aqui.

A obra está na Mostra Rumos, que acontece de 27 de agosto a 25 de outubro no Itaú Cultural, em São Paulo. O evento reúne parte dos selecionados da edição mais recente do principal programa de incentivo à cultura do instituto. Exposição, debates, seminários, workshops e espetáculos marcam a programação.

Em entrevista para o Observatório, Gisela fala sobre a relação do público com a estética publicitária; a relação do original com a nova versão; o impacto da tecnologia nas artes; e sobre como a dupla mantém a sustentabilidade de seu trabalho em conjunto desde 1997, quando começaram a participar regularmente de salões e de diversas mostras coletivas no Brasil e no exterior.

Na obra Psicose, vocês criam uma videoinstalação composta de projeção em vídeo e de exposição da documentação do processo de refazer o filme homônimo de Alfred Hitchcock, substituindo as imagens originais por cenas genéricas disponíveis em bancos de imagem e com trilha sonora semelhante à original. Como vocês observam o uso da estética publicitária e a relação do público com essas imagens?

Gisela Motta: Estamos cercados, no dia a dia, por imagens dos bancos de mídia. Nos deparamos com elas em materiais impressos, outdoors, sites. Ao assistirmos ao filme, nos deparamos com uma enxurrada de fotos, vídeos e áudios que foram produzidos para ilustrar o maior número de situações possíveis, e nos damos conta do potencial de significação desse conteúdo.

As imagens que compõem o filme podem ser utilizadas para diversos fins; é interessante experienciar como a montagem, a sucessão e a combinação dos fotogramas, determina e constrói significado. Num certo momento, usamos um close de uma cachoeira, mas, na sequência em que esses frames se encontram, a água caindo sugere um chuveiro ligado.

Mantivemos o mesmo ritmo do filme original e durante meses pesquisamos nos bancos de mídia fotos, vídeos e áudios que fossem o mais próximo possível dos takes do filme original. Algumas cenas foram mais fáceis de encontrar, outras foram extremamente difíceis, mas vemos no filme como os bancos de imagens se inspiram em certa memória coletiva ao produzir seus conteúdos.

A obra também provoca uma reflexão sobre a relação entre original, cópia e direitos autorais. Qual o limite entre cópia e original em Psicose? O que pretendem discutir com essa obra?

G.M.: Escolhemos o filme Psicose também por ele já ter sido refeito [pelo cineasta Gus Van Sant, em 1998], então a própria ideia de refazê-lo não é original. Algumas cenas do filme são tão icônicas que mesmo pessoas que não assistiram ao filme de Hitchcock têm no imaginário as sequências mais clássicas, nem que tenham visto nos desenhos animados dos Simpsons.

Tínhamos uma vontade de revisitar e atualizar esse clássico do cinema e, ao recriá-lo com imagens e áudios genéricos, acabamos por fazer o observador exercitar a construção de sentido e narrativa, a cada plano, numa tentativa de ressignificar aquelas imagens e resgatar na memória o filme original. Acho que temos uma emulação de um Hitchcock, um Psicose artificial.

Na opinião de vocês, como a tecnologia digital impacta as artes?

G.M.: Gosto de pensar a tecnologia, de uma forma geral, como um aparato, uma ferramenta. O uso de utensílios variados – físicos ou digitais – faz parte da história da arte e sempre a impactou. Uma obra de arte que nos interessa está relacionada à técnica/tecnologia que utiliza – devido ao fato de determinada ferramenta agregar conceitualmente ao trabalho –, assim como contexto em que se insere e as dúvidas e perguntas que gera.

Abraham Palatnik, em seu texto Tecnologia e Arte, diz: “A tecnologia não é um fenômeno novo... e certamente não foi inventada pelo homem”. Assim ele divide em tecnologia natural: a evolução das formas do universo e a tecnologia dos mecanismos artificiais. Dessa forma, a tecnologia em suas diversas manifestações seria intrínseca à vida. Acho interessante pensar como o uso de ferramentas técnicas pode dar conta de expor e lidar com questões da ordem do sensível.

Vocês percebem alguma mudança, daquela época aos dias de hoje, na fruição das obras e na interação entre o público e os seus trabalhos?

G.M.: Trabalhamos desde o fim dos anos 1990, mas nunca nos interessou essa divisão. Me parece que, especialmente hoje em dia, ela não faz mais muito sentido. Trabalhamos com artes plásticas, independentemente de alguns projetos serem finalizados em vídeo, pintura, fotografia ou instalação. Um dos motivos que nos interessaram ao trabalhar com vídeo no início de nossa pesquisa sem dúvida foi a proximidade a uma linguagem que está inserida no nosso cotidiano. O próprio vídeo vem sendo usado nas artes visuais há 50 anos.

Como mantêm a sustentabilidade do trabalho de vocês por todos esses anos? Quais as principais formas de financiamento?

G.M.: Cada vez mais entendo como a escolha de onde, do que ou de quem irá nos apoiar se tornou uma ferramenta poderosa, pois fortalece exatamente aquele que produz. Ou seja, temos em nossas mãos diariamente a opção do que ou de quem queremos fortalecer ao escolhermos onde vamos usar nosso dinheiro. Por isso os prêmios e editais são importantes, eles viabilizam projetos mais caros e apoiam os artistas, facilitando a veiculação das obras, Do mesmo modo, o convite das instituições para apresentar as obras e a comercialização delas ajudam a financiar a pesquisa do artista. Mesmo assim, fazemos trabalhos paralelos como freelancer para viabilizar nossa pesquisa.