por Alexandre Ribeiro e Nayra Lays

 

Plural e incontingente. Sem a pretensão enciclopédica é que nascem histórias afro-atlânticas. Entre fluxos e refluxos coloniais, mercantis e culturais, a exposição dialoga com histórias. Isso mesmo: histórias. No plural e na coerência. Da maneira como sempre haveria de ser.

Okodee Mmowere, símbolo de força, bravura e poder (imagem: divulgação)

Sobre Áfricas, Américas, Caribes, e até mesmo Europas. Com três anos de pesquisa de uma equipe de cinco curadores, a exposição Histórias Afro-Atlânticas foi aberta em duas sedes: no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e no Instituto Tomie Ohtake. Em cartaz até outubro de 2018, a mostra exibe 450 trabalhos de mais de 200 artistas do século XVI ao XXI, explorando a arte dos territórios afro-atlânticos.

Desde o Brasil Colônia, temos uma vasta quantidade de artistas negros e negras, e nenhum desses integra exposições em museus. O que me brilhou os olhos foi não somente a beleza das obras, mas também todo o exercício do decolonial.

Em frente a uma das obras do Sidney Amaral, tive um encontro espiritual. Não sei como descrever ao certo, mas desabei em um choro que me disse muito. Ali, caiu a ficha de que todas aquelas pessoas, em pinturas, vídeos e intervenções, residem em mim.

Vieram-me humanidades plurais que vibram em cada detalhe. Começando no Atlântico negro até chegar ao baile funk carioca. A latente busca da diáspora. Encontrando pedaços de nós em narrativas de perda, exílio e viagens, cada passo na exposição foi digestivo. Não foi nada fácil absorver os fragmentos profundos que pude observar.

A lembrança de que existem atlânticos de narrativas antes e após a travessia forçada do Atlântico literal foi cortante de muitas formas. Nas poses com colunas eretas, olhos fixos e firmes para a câmera, vendo os corpos envoltos em cores vibrantes, pulsou o orgulho.

Quem sabe de onde vem não precisa se justificar por ser quem é.

E porque também me vi nos corpos inclinados, feridos, subalternizados. Dos que senti dor e raiva, por saber que é este, o oposto criado, o que mais vende.

Na cabeça, estabeleci paralelos entre navios negreiros e prisões. Entre Bárbara Querino e Nayra Lays. Rafael Braga e Alexandre Miguel. O que de verdade nos diferencia nesse jogo cruel que tenta nos minimizar até não nos restarem espaço, liberdade e sonhos?

Paralelos entre nós, que nem sequer sabemos todos os nossos tantos nomes e sobrenomes, mas dividimos sobrevivências de guerras diárias.

Conectar-me às Histórias Afro-Atlânticas foi um mergulho tão profundo que o corpo desaguou o cansaço da caminhada de tantos séculos.

O meu coração bateu forte no peito a cada nova obra que encontrava, me fazendo até andar mais penso para o lado esquerdo. E ele me pediu para avisar: se eu fosse tu, iria. Ver-se no outro também é via de se encontrar.

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