Formado há 12 anos por artistas visuais, designers, arte-educadores e músicos de Salvador (BA), o Grupo de Interferência Ambiental (GIA) realiza intervenções artísticas em espaços privados e públicos da cidade – frequentemente promovendo debates sobre questões centrais do cotidiano urbano.Em entrevista ao Observatório, o grupo comenta alguns de seus projetos e aborda, entre outros assuntos, a relação entre coletivos artísticos independentes e os órgãos públicos.

Observatório: De que modo o GIA atua? Como os espaços ocupados pelo coletivo interferem nos trabalhos desenvolvidos?

GIA: O grupo atua de maneira colaborativa em diferentes cidades, tanto em ambientes institucionais – museus, galerias, centros culturais – quanto nas ruas, nos ditos “espaços públicos”. É claro que o contexto é essencial para a realização das intervenções. Vivenciar, nas ruas, a ação Não-Propaganda, por exemplo, é completamente diferente de ver seus registros audiovisuais em uma galeria. As reações do público são outras. As ações do GIA, nas ruas das cidades, tentam instaurar um viver junto, uma utopia de aproximação – como coloca Nicolas Bourriaud – que conclama a participação do outro como cerne da ação: a possibilidade de interações estéticas e políticas. Os coletivos artísticos são agentes nas cidades: seguem inventando, criando novos territórios, articulando novos encontros.

Como o GIA organiza seu processo criativo e sua gestão financeira?

As ações do grupo são definidas coletivamente, em momentos – reuniões com lampejos de criatividade – em que quase todos opinam sobre a melhor maneira de realizá-las. Às vezes uma grande ideia de intervenção surge de um único integrante do grupo, a partir das suas experiências na cidade, mas as táticas de realização dessas intervenções são lapidadas em conversas, seja em bate-papos informais, seja em reuniões mais “sérias”. Essa expressão foi colocada entre aspas porque a “seriedade” não combina muito com o perfil do grupo.

Preferimos nos reunir em mesas de bar, reuniões gastronômicas – em que cozinhamos, degustamos e conversamos... – ou encontros musicais. A gestão financeira do grupo acontece de maneiras distintas: muitas ações são custeadas pelos próprios integrantes do GIA, de modo independente. Outras são patrocinadas por instituições ou por editais públicos.

As intervenções do Gia são frequentemente marcadas por traços da cultura popular. O grupo organiza rodas de samba, por exemplo, e já realizou atividades utilizando a estética das tradicionais placas de compra e venda de ouro e promovendo uma malhação de Judas às avessas – na qual, em vez de malhado, o Judas deveria ser perdoado. Como foram essas experiências?

As rodas de samba são momentos festivos de encontro; a música e a dança aglutinam as pessoas e promovem trocas afetivas. É um processo relacional que interessa ao GIA. O uso abusivo da publicidade nos espaços públicos – a lógica do consumo desenfreado – foi a mola propulsora da intervenção Não-Propaganda, em que o GIA se apropria dos veículos midiáticos tradicionais dos grandes centros – placas, “homens-sanduíche”, panfletos, banners etc. – e subverte seu uso, convidando o público a refletir sobre essas questões a partir de placas vazias (amarelas)... São situações nonsense, que, por alguns segundos, descondicionam o automatismo cotidiano dos transeuntes. O “perdão do Judas”, por sua vez, é proposto com o objetivo de subverter a tradição popular da “Queima do Judas”. A ação questiona uma tradição de origem religiosa/católica, propondo o amor e o perdão numa sociedade já tão marcada pela violência.

O grupo tenta trabalhar, portanto, com elementos simbólicos que estão presentes no cotidiano das cidades. Não há uma preocupação, entretanto, em analisar se tais ações dialogam necessariamente com a nomenclatura “cultura popular”. Isso porque essa expressão evoca uma dicotomia (popular/erudito) que por sua vez remete a tantas outras relações dicotômicas (subalterno/hegemônico ou tradicional/moderno, como coloca Canclini) que, na visão do GIA, estão cada vez mais fragmentadas e desterritorializadas.

Em 2008, durante a Semana Nacional dos Museus, vocês realizaram uma interessante intervenção na capela do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA). Como foi essa experiência? Que debate vocês visavam promover com a ação?

Montamos um ambiente que chamamos de “QG do GIA”, um espaço onde disponibilizamos nosso acervo para o público visitante, mas também propomos uma série de ações no decorrer da exposição. Trata-se de um espaço de “pensamento e ação”. Na época, a ideia era tornar o MAM um espaço convidativo e acessível a todo tipo de público, que poderia se encontrar e interagir com os elementos colocados no QG. Era importante para o GIA, naquela ocasião, que a Comunidade do Unhão, que está localizada ao lado das instalações do MAM, também pudesse frequentar o museu. Isso porque, como todos sabem, o público que frequenta esses ambientes artísticos/culturais é uma elite restrita, geralmente “preparada” e “entendida” acerca da arte contemporânea. Então, abrimos as portas da capela do MAM para um público mais amplo – tentando envolvê-lo também em intervenções que ocorriam paralelamente a essa ocupação na capela. Envolvemos, ainda, os próprios funcionários do museu nessas ações. Foi um momento importante de questionamento das normas institucionais e as possíveis aberturas para as experimentações contemporâneas.

Como vocês veem a relação dos coletivos independentes com o governo local? Houve avanços, nesse aspecto, ao longo da trajetória do GIA? E como vocês acham que deve ser a atuação dos órgãos públicos no campo da cultura?

Essa é uma pergunta difícil, pois a vontade da maioria dos coletivos “independentes” é justamente não depender das iniciativas governamentais, agir de maneira completamente autossuficiente. Essa vontade, entretanto, é ingênua e, até certo ponto, utópica. Lidar com as burocracias e “normas” que permeiam as iniciativas de incentivo governamental no campo da cultura é, para o GIA, tenso e desgastante.

Sem dúvida ocorreram avanços nos últimos anos. Os editais públicos passaram a contemplar práticas como performance e intervenção urbana, entre outras linguagens que fogem de uma suposta “tradição artística”. Os órgãos públicos, por sua vez, devem estar atentos à multiplicidade expressiva que a arte pode oferecer à sociedade. É uma pena que os investimentos em cultura no Brasil sejam tão poucos.

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