por Cassiano Viana

German Lorca tem 96 anos – 70 deles dedicados à fotografia.

Por uma daquelas determinações do acaso – esse grão-mestre de todas as possibilidades e elemento fundamental da fotografia –, Lorca pediu uma câmera emprestada para registrar sua viagem de lua de mel, em 1945. Levou dois rolos de filme. "Fiquei surpreso porque, quando revelei os filmes, vi que não perdi nenhuma foto e que as fotos eram boas", conta.

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Empolgado com o resultado, resolveu se dar de presente uma câmera. "Um amigo que tinha uma loja me vendeu uma máquina alemã usada, uma Welta Welti, que comecei a usar, uma máquina simples, mas que tinha uma boa ótica."

German Lorca e a esposa Maria Elisa em 1945 (imagem: autoria desconhecida)

No mesmo ano, associou-se ao Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), que funcionava no Edifício Martinelli, no centro da cidade de São Paulo, e que foi da maior importância para alavancar a fotografia brasileira do registro documental para uma forma de arte.

As reuniões eram frequentadas por fotógrafos profissionais, mas a maioria dos associados atuava em outras áreas – eram engenheiros, advogados, médicos, farmacêuticos, arquitetos, mas, acima de tudo, apaixonados pela fotografia. O próprio Lorca, na época, ganhava a vida como contabilista.

Não demorou para ser indicado para trabalhos fotográficos profissionais, intercalando as encomendas comerciais, as fotografias para campanhas publicitárias, com sua produção autoral. Trocou de carreira. A fotografia agradece.

German Lorca tem 96 anos – 70 deles dedicados à fotografia. Imagine, então, o desafio que é orquestrar uma exposição a partir de um inventário fotográfico gigantesco, rico não só em termos de número de imagens – são milhares de fotografias realizadas –, mas em termos de pluralidade temática e formatos.

"De fato, não temos conhecimento, na história da fotografia brasileira, de alguém que tenha trabalhado por mais de 70 anos", observa Rubens Fernandes Junior, curador da retrospectiva em cartaz no Itaú Cultural até o dia 4 de novembro.

A mostra reúne mais de 150 imagens, além de séries e ensaios fotográficos, projeções, objetos e premiações. "Evitamos uma leitura linear da sua obra", explica o curador. "A fotografia é a grande musa de German Lorca. Felizmente, temos a sorte de conviver com ele, um artista cuja grandeza e importância a história já consagrou."

De origem humilde, por causa da crise de 1929 a família Lorca precisou separar os filhos, que foram distribuídos e criados por outros parentes. Lorca começou a trabalhar com 11 anos. Fernandes Junior conta que, certa vez, Lorca confessou que sempre achara muito corajosa e, às vezes, inconsequente a dedicação à fotografia.

"Fui pobre. Isso provoca alguma coisa na gente", disse em um depoimento ao Trip Transformadores, prêmio recebido em 2016, concedido pela Editora Trip. "Com essa afirmação, fica claro por que ele nunca recusou um trabalho, por mais difícil que fosse ", explica o curador da retrospectiva do Itaú Cultural.

German Lorca tem 96 anos – 70 deles dedicados à fotografia. Ele ainda fotografa. Nunca deixou de lado o amor antigo. O coração ainda dispara "ao ver uma cor bonita, uma criança fazendo isto ou aquilo, um rosto de mulher, uma luz recortada, uma sombra acentuada", como diz. "Tudo isso me dá a sensação de uma nova existência."

E, apesar de todo esse tempo, nunca se recusou a experimentar as novas tecnologias. Assumiu a Leica digital e, em 2017, realizou uma série de retratos com um smartphone.

"Tenho 96 anos e pretendo continuar fotografando. A fotografia sempre foi a paixão da minha vida", diz no documentário realizado pelo fotógrafo José Henrique Lorca, assistente curatorial da mostra do Itaú Cultural. O filme pode ser visto nessa exposição.

Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light.

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