Rumos 2015-2016: Entra em fase de produção a série de webdocumentários Saravá, Jongueiro Velho
28/11/2016 - 09:38
Por Cassiano Viana
Selecionado pelo Rumos Itaú Cultural de 2016, Saravá, Jongueiro Velho, série de webdocumentários que registra o relato de mestres e lideranças jongueiras do Sudeste, entra em fase de produção em dezembro.
O projeto está sendo realizado pela Rede de Jovens Lideranças Jongueiras, em conjunto com o Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu – programa de extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF) que atua como parceiro estrutural da Rede –, por meio de sucessivas oficinas e laboratórios de edição audiovisual, design e webdesign e da produção dos documentários, ao longo de um ano.
"Em 2013, a Rede percebeu a necessidade de apropriar recursos audiovisuais para preservar a história do jongo, seus saberes, utilizando um meio contemporâneo de se contar e transmitir conhecimentos dos mestres jongueiros, articulando e mobilizando as comunidades jongueiras", conta Taís Lobo, do Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu.
"Naquele mesmo ano, foi realizado o Seminário de Audiovisual e Identidade Negra, em quatro encontros – o primeiro em Pádua (RJ), o segundo no Quilombo Santa Rita do Bracuí (RJ), o terceiro em São José dos Campos (SP) e o último na sede do Pontão do Jongo, em Niterói (RJ)", lembra.
Desses encontros, que contavam com oficinas práticas sobre o uso de equipamentos, edição e finalização de filmes, entrevistas com lideranças e mestres jongueiros e posterior exibição do conteúdo produzido, nasceu a ideia do filme Saravá, Jongueiro Velho, reunindo depoimentos de mestres e lideranças do grupo Mistura da Raça (São José dos Campos, SP), do Jongo Dito Ribeiro (Campinas, SP), do jongo do Quilombo de Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis, RJ) e também relatos da Comissão da Rede de Jovens Lideranças Jongueiras. A edição/finalização do projeto tem o apoio do Rumos. Este será o primeiro filme do Brasil realizado integralmente por jongueiras e jongueiros.
"Durante os meses de outubro e novembro passamos pela fase de pré-produção do projeto. Em dezembro, iniciaremos as oficinas de edição de audiovisual, design e webdesign em software/plataformas livres, realizadas num processo de formação contínua, com duração de um ano", explica Taís. "Para julho de 2017, está prevista a conclusão dos vídeos e, a partir daí, poderemos engrenar nas oficinas de design e webdesign do site no qual ficarão hospedados os webdocumentários", conta.
O lançamento do site/webdocumentário será em outubro de 2017. No entanto, o desenvolvimento do projeto, bem como os materiais extras gerados, fotos e making of, serão devidamente documentados e compartilhados na internet, no blog https://seminariodeaudiovisual.wordpress.com/.
Entre os entrevistados estão lideranças e mestres jongueiros, dentre eles, José Adriano, ancião do Quilombo de Santa Rita do Bracuí.
"Essa é uma forma de articular e mobilizar o encontro entre mestres e jovens jongueiros, usando uma ferramenta digital como mediadora e plataforma para divulgar esses saberes orais em um processo formativo de potencial multiplicativo ", avalia Taís.
O jongo
Expressão cultural que compõe a herança da ancestralidade africana, o jongo – uma das danças de umbigada, cuja base sonora para o canto é a percussão de tambores – foi trazido por negros bantos da região centro-ocidental da África, o chamado Congo-Angola, vendidos como escravos para o Brasil. Sobretudo aqueles que desembarcaram no litoral fluminense na primeira metade do século XIX para o trabalho nas plantações de café no Vale do Paraíba.
Por muito tempo uma região de passagem que ligava os portos do Rio de Janeiro às minas de ouro de São João Del Rey e Ouro Preto, em Minas Gerais, com o declínio da produção de ouro e a expansão do cultivo de café, o Vale do Paraíba sofreu uma profunda transformação. Para o trabalho duro nas plantações, foram trazidos escravos que chegavam principalmente por portos clandestinos, já que a partir de 1831 passou a ser proibido o tráfico de escravos para o Brasil – tráfico este que continuava, embora legalmente condenado.
Essa região – que segue entre os portos clandestinos do litoral do Rio para o Vale do Paraíba e, de lá, para as grandes fazendas de café – ficou conhecida como os territórios do jongo, por concentrar o maior número de comunidades que faziam dele uma prática social de lazer e resistência cultural.
Considerado uma das origens do samba, principalmente o carioca, os primeiros registros sobre o jongo foram feitos por viajantes do século XIX. Nesses registros, o jongo é chamado genericamente de batuque, nome dado na época a qualquer expressão cultural praticada por africanos e escravos, muitas vezes de forma depreciativa, "coisa de preto", uma prática que só era autorizada pelos senhores das fazendas em dias de festas de santos, nas noites de sábado ou domingo, nos terremos próximos das senzalas.
Até pouco tempo, pesquisadores se preocupavam em registrar os pontos de jongo, sua musicalidade, as características da dança e do canto, sendo que muitos estudos previam seu desaparecimento.
Contrariando essas previsões, o jongo tem sido preservado de geração em geração por comunidades remanescentes de quilombos e por entidades como a Rede de Jovens Lideranças Jongueiras.
Em 2005, o jongo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como o primeiro bem imaterial do estado do Rio de Janeiro.