obra: Projeto Escola de Dança de Paracuru
selecionado: Flávio Sampaio

Situada no litoral do Ceará, a 87 quilômetros de Fortaleza, a pequena Paracuru tem apenas 32 mil habitantes. Nos fins de semana, o município recebe muitos veranistas. Foi do “confronto” entre os jovens turistas e os jovens paracuruenses que surgiu lá, em 2003, um projeto para derrubar preconceitos e tornar o local referência em dança. Ou, nas palavras de seu idealizador, o bailarino Flávio Sampaio, “uma cidade dançarina”.

A história é inusitada. Natural de Paracuru, o profissional já tinha uma carreira consolidada quando voltou ao Ceará para dirigir outra proposta criada pelo governo para estimular a atividade no estado. Certo dia, quando visitava a família em sua cidade, um grupo de dez jovens o procurou. Eles buscavam ajuda.

“Paracuru é uma cidade à beira-mar e recebe muitos veranistas. Carros de som e a dança se misturavam em frente aos bares, onde os jovens se reuniam à noite. Havia batalhas entre eles e os meninos paracuruenses, sem a experiência dos jovens da cidade grande, sempre estavam em desvantagem. Foi quando souberam da minha ligação com a dança”, relembra.

O início não foi tão simples. A princípio, eles só queriam saber de forró. “Difícil romper o preconceito em uma vila de pescadores. Difícil trocar a família e os amigos por um desejo. Ser bailarino nessa época significava romper com paradigmas que lhes atrairiam a chacota de alguns, a certeza da família de que dançar era perda de tempo. Para a família, ‘trabalhar é que era coisa digna’”, pontua Flávio.

A paixão pela dança, porém, falou mais alto e o que começou de forma tímida e improvisada é hoje um projeto social e artístico que atende 220 crianças e adolescentes.

A Escola de Dança Paracuru conseguiu colocar a dança no cotidiano da cidade e formar um público que comparece de forma expressiva nas frequentes apresentações gratuitas realizadas na Praça de Eventos do município. É para manter as atividades do projeto, que se expande também na Companhia de Dança de Paracuru e na Mostra de Dança de Paracuru, que a iniciativa ganha o apoio do Rumos.

Trajetória

Já são 60 anos de vida e mais de 45 de carreira, mas Flávio Sampaio ainda lembra com carinho e emoção dos seus primeiros passos artísticos. “Dançar para mim sempre foi algo vital, como ver, sentir, como um sabor ou como um cheiro. Fazia isso na imensidão da praia, em frente ao mar. Criava meus próprios cenários ao pôr do sol. Assistia à minha própria sombra e me alimentava da música do mar. Era tão imperceptível como respirar, fazia parte do processo natural de viver em um lugar tão isolado do resto do mundo como era Paracuru”, conta.

O destino conspirou a favor do talento. Aos 12 anos, escolhido pelo pai para ser o militar da família ‒ como era a prática da época, segundo relembra ele ‒, Flávio se mudou para Fortaleza para estudar no Colégio Militar. Nas idas e vindas entre casa e escola, descobriu a dança acadêmica no Teatro José de Alencar. “Me vi olhando as aulas de Thereza Bittencourt.”

O aprendizado começou efetivamente com Dennis Gray e Jane Blauth na Escola de Danças Clássicas do Sesi, também na capital cearense. Já profissionalmente, dançou no Balé do Teatro Guaíra, de Curitiba, e no Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Neste último, atuou por 20 anos e viveu momentos marcantes.

Nada se compara, no entanto, ao que aconteceu em 1986, um dia antes da estreia de Sagração da Primavera. O bailarino sofreu um acidente durante o ensaio, quebrou a coluna e só conseguiu voltar a andar depois de um longo processo de recuperação. O que se desenhava como uma tragédia, a impossibilidade de continuar dançando, acabou revelando uma vocação. “Ali tive de me reinventar, como homem e como artista. É nesse momento que nasce o professor e a descoberta que era isso o melhor que havia em mim.”

Desde então, ele lecionou no Balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil e atuou como professor convidado em companhias reconhecidas nacional e internacionalmente, como o Ballet da Ópera de Varsóvia, o Ballet da Ópera de Zurique, o Grupo Corpo, entre outros. Foi na sua cidade natal, no entanto, que encontrou o grande projeto da sua vida: a Escola de Dança de Paracuru.

“A dança é para mim uma forma de falar com o mundo e para o mundo. O que me rodeia e o que eu invento, reinvento ou realizo. É a fórmula do agora, do prazer, do existir, do ser e do poder continuar sendo”, conclui.