obra: Como Rasurar uma Paisagem
selecionados: Mayra Redin e Manoel Ricardo de Lima

Duas amigas da artista visual Mayra Redin indicaram os livros de Manoel Ricardo de Lima. Ela não só acatou a recomendação, como As Mãos se tornou o seu companheiro de viagens. O encontro com o autor aconteceu no Rio de Janeiro, quando Mayra passou a frequentar as aulas dele no programa de pós-graduação em memória social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).


Mayra Redin, selecionada no Rumos com o projeto Como Rasurar a Paisagem

 

Entre uma conversa e outra, ela revelou a “teima em fazer um projeto assim e assado”. Ele disse o que pensava e foi dessa forma, meio sem querer, que os dois teceram juntos Como Rasurar uma Paisagem, projeto selecionado no Rumos.

“Falávamos muito sobre o desejo de partilhar experiências, sobre as conversas que podem se abrir no encontro com o outro, em nossas histórias de vida, nos deslocando geograficamente com frequência”, explica Mayra.

Manoel nasceu em Parnaíba, no Piauí, viveu muitos anos em Fortaleza, no Ceará, e há algum tempo mora no Rio de Janeiro. Mayra nasceu em Campinas, São Paulo, mas foi ainda pequena para Viçosa, no interior de Minas Gerais. Aos 12 anos, ela se mudou com a família para São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, e mais tarde morou em Porto Alegre para cursar a faculdade de artes. Já viveu em residências artísticas na França e em outras cidades do Brasil. Desde 2013, fixou-se no município carioca em que faz doutorado em artes.

Como Rasurar uma Paisagem começou a se desenhar na cabeça de Mayra em algumas vezes que ela foi até Tavares, no litoral do Rio Grande do Sul, e imaginou que seria muito rico reunir artistas e escritores no local. “O mar é aberto e constantemente encontramos na beira da praia os mais diversos objetos trazidos de diversos lugares. A areia é abundante e o vento também. Os casebres aos poucos vão sendo soterrados pela areia, ao mesmo tempo que descobertos pelo vento”, descreve.

Manoel acrescentou a sua vivência no litoral do Ceará, que se elabora numa “espécie de expansão entre o sertão e o mar”. Juntos, eles entenderam que estavam falando de lugares que poderiam chamar de desérticos, em um sentido mais amplo da palavra. São locais que se constituem em algumas adversidades, como o clima (muito frio em Tavares, muito quente no litoral oposto) e a distância dos centros urbanos. “Nossa ideia é viver essas adversidades entendendo que elas podem potencializar nossas pesquisas”, explica Mayra.

A proposta é reunir artistas e escritores nesses dois lugares e, a partir dessas experiências de residências artísticas, produzir uma publicação coletiva com trabalhos desses profissionais, como poemas, ensaios, roteiros, imagens. Um vídeo documentário também deverá ser apresentado ao final.

Para Manoel, é assustador entender o deserto apenas como um lugar ermo, sem gente, impróprio. “Ao contrário, o deserto hoje, me parece, se organiza numa outra deliberação, que tem a ver com o apagamento dos corpos e com a opressão social das formas de vida em torno do dinheiro (onde o dinheiro não está, quando o dinheiro não circula, como o dinheiro não se impõe etc.)”, enfatiza. E isso, acrescenta ele, é o que lhes interessa como forma de rasura da paisagem. “Que não é, senão, um corte, um talho, um vinco no pensamento ou no que pode ser um pensamento com a arte agora”, frisa. O escritor indica que o nome é emprestado de uma “linha desenhada no poema de Ana Cristina Cesar”.

“O que mais espero, sinceramente, é que seja bom e muito intenso, como uma intervenção direta neste mundo confuso que torna a arte uma inferência de cinismos, interesses comerciais e rivalidades provocadas por uma ‘hiperbólica valorização econômica’. Nossa ideia de rasura é um gesto político, não uma oposição eficaz”, conclui.