Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo
06/04/2016 - 15:10
O Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo (Motin) foi desenvolvido por Pedro Granato – diretor, dramaturgo e professor de teatro – para ampliar o diálogo entre os espaços cênicos da cidade. O grupo produziu também uma Cartografia dos Teatros de São Paulo, que mapeia esses estabelecimentos e fornece recursos para que se pensem políticas públicas na área. Nesta entrevista, Granato fala sobre esses projetos, sobre as dificuldades de gestão e manutenção dos teatros independentes e de uma gestão cultural para além das leis de incentivo: “As políticas de isenção fiscal centralizam muito as verbas públicas e se tornam condição única para manter um espetáculo em cartaz. A expansão do mercado cultural fica refém disso.”
Pedro Granato é formado em cinema pela Universidade de São Paulo (USP) e fez parte do Directors LAB no Lincoln Center, Estados Unidos. É professor da Escola Superior de Artes Celia Helena. Foi diretor do grupo Ivo 60, ligado à Cooperativa Paulista de Teatro, por 13 anos. Dirigiu espetáculos de Marcelo Rubens Paiva, Leo Moreira, Bráulio Mantovani e adaptou obras de Plínio Marcos, William Shakespeare e Bertolt Brecht. Em 2015, a peça Fortes Batidas, escrita e dirigida por ele, ganhou o prêmio da APCA de Melhor Espetáculo em Espaço Não Convencional e o Prêmio Especial pela Experimentação de Linguagem no Prêmio São Paulo. Dirige o Teatro Pequeno Ato em São Paulo.
(Foto: Christiane Forcinito)
Você pode comentar o que é e quais foram os motivos que levaram à criação do Motin?
O Motin é uma mobilização política e artística para transformar a relação dos teatros com a cidade. Foi criado pela necessidade de reconhecer os espaços teatrais do município e potencializar a troca de experiências entre eles. Havia uma grande sensação de isolamento, ausência de editais e leis específicas e uma falta de apoio nos problemas cotidianos de manter e administrar esses locais de exibição.
O Motin disponibilizou uma pesquisa quantitativa sobre os teatros independentes, chamada Cartografia dos Teatros de São Paulo (acesse). Você pode comentar quais foram os desafios para a elaboração deste trabalho e nos contar qual foi o recorte adotado para a seleção dos espaços?
Tentamos abarcar o maior número possível de espaços. Muitas vezes o grande desafio foi justamente o ineditismo da proposta. Foi difícil mapear os espaços, marcar as entrevistas, escolher as perguntas e os critérios para análise. Muitas vezes os gestores e artistas estão justamente atabalhoados, sem tempo, correndo na difícil tarefa de administrar um local de criação e manter seus trabalhos artísticos.
Na Cartografia, diz-se que atualmente existem entre 70 e 80 teatros independentes na cidade, que se mantêm financeiramente por bilheteria, por serviços como restaurante, bar e venda de acessórios ou, em poucos casos, por editais públicos. Como o Motin pretende atuar com esses teatros no que se refere à sustentabilidade dos espaços?
Nós queremos fortalecer a relação do público com o teatro independente e, com isso, aumentar as bilheterias. Os espaços se mantêm muito por insistência e completa doação dos artistas, que muitas vezes investem os cachês na sua manutenção. Alguns mecanismos de financiamento do teatro, no nosso entender, viraram um tiro no pé, ao alienar as peças da bilheteria e dificultar que o público perceba a importância de pagar com o ingresso a experiência que ele vive no teatro.
Grupo 28 Patas Furiosas no Teatro Ágora (Foto: Christiane Forcinito)
A pesquisa nos traz que muitos teatros estão com problemas com documentação, por exemplo, funcionando sem alvarás enquanto aguardam retorno do órgão responsável. Em paralelo, é noticiado o grande interesse de construtoras pelas regiões centrais de São Paulo, o que causa uma grande especulação imobiliária e vai de encontro com o Plano Diretor, que prevê a criação das Áreas de Proteção Cultural (Zepec APC). Como você percebe essa movimentação?
É uma realidade perversa. Inclusive uma das nossas grandes linhas de mobilização, a que iniciou o Motin, foi reagir ao fechamento do Núcleo Bartolomeu e do CIT-Ecum. A ação fortaleceu a criação das Zepec. Em muitos sentidos somos invisíveis, por não sermos espaços voltados para o lucro, para o comércio, e, sim, espaços de reflexão, encontro e criação. A legislação que rege os teatros é muito antiga, não reconhece a nova realidade. Estamos na contramão de um senso conservador de ver a cidade como um empreendimento. Mas isso está mudando.
Muitas vezes são os teatros que humanizam regiões degradadas, que instituem a convivência no espaço público e acabam depois sendo vítimas de uma valorização dos imóveis causada por sua própria atuação. É preciso ter uma perspectiva política, apoio institucional e uma rede de proteção para que a ação de transformação que o teatro gera não acabe punindo o teatro.
Sobre a produção artística, a pesquisa mostra que a permanência dos espetáculos em cartaz nos espaços independentes é maior em relação aos espaços patrocinados. A que você credita este fato?
Porque o vínculo é mais direto. Um grupo ou artista que sustenta um espaço investe cotidianamente em abrir suas portas, cria seus trabalhos em sua sede, armazena seus cenários. E faz isso por muito mais razões que visar lucro ou uma peça de maior ou menor sucesso; por uma paixão pelo seu trabalho. Essa lógica pode parecer romântica, mas ninguém faz arte no Brasil sem uma dose de paixão. Quem se arrisca a manter o espaço desenvolve uma casa de criação, um palco permanente para sua experimentação e formação de público.
Outro dado levantado na pesquisa é que as redes sociais são o recurso mais utilizado para a divulgação dos espetáculos, ultrapassando mesmo os sites dos espaços. Qual é seu ponto de vista sobre a relação dos teatros com as novas tecnologias? Como se dá a relação com o público?
As redes sociais são o espaço mais utilizado pelo público. É onde acontece grande parte do famoso boca a boca. Até as críticas de teatro muitas vezes têm mais impacto nas redes sociais do que no impresso. Note-se o grande crescimento de veículos independentes, blogs e sites de críticas de teatro.
Os teatros independentes têm percebido que o público está aí e têm direcionado mais seus esforços. Mas ainda tem um longo caminho de crescimento e o Motin também pretende agir nesse sentido. Ainda falta muita divulgação e apropriação do público da diversa cena paulistana.
Do ponto de vista de gestor cultural, como você avalia a aprovação da Lei 16.173/2015, que determina a isenção do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pelos espaços culturais e teatros? Quais serão os possíveis impactos nas estruturas físicas e operacionais desses locais?
É um grande avanço. Se pensar que as igrejas já desfrutavam desse benefício, fica claro que é também a correção de uma injustiça histórica. Um teatro impacta muito positivamente seu entorno, na apropriação da coisa pública. Beneficia a cidade. Além disso, esse tipo de iniciativa melhora a relação do poder público com os espaços. Mas ainda é um apoio que não resolve estruturalmente todas as dificuldades em se manter um estabelecimento. Muita coisa precisa mudar. É necessário trazer visibilidade e novas formas de financiamento. Agora, a cada lei que se torna mais justa, os teatros caminham para regularizar sua situação. Porque é um problema estrutural que envolve também os métodos viciados de fiscalização do poder público.
Quais são os principais desafios para as políticas públicas hoje em relação à sustentabilidade dos espaços culturais e da produção artística e ao desenvolvimento econômico desse setor?
São tantos... Sentimos que temos milhões de pessoas a conquistar para o teatro. Por algum tempo, se tornou uma espécie de moda falar mal de teatro, evitar. As pesquisas feitas pela J. Leiva elucidaram um enorme público potencial que temos de conquistar. Precisamos repensar as políticas de formação de público, que são mais do que distribuição de ingresso. Como estimular o público a pagar ingressos, formar espectadores frequentes, aprofundar a relação das artes com a educação?
As políticas de isenção fiscal também centralizaram muito as verbas públicas em torno de poucos produtores. E, para maioria desses espetáculos, o incentivo vira condição única para manter o espetáculo em cartaz, o que não estimula a expansão do mercado cultural, que vira refém dessa política.
Ao mesmo tempo, temos muito investimento em produção e pouco em manutenção. Um número gigantesco de peças com temporadas cada vez mais curtas, fruto de uma política que privilegia estreias.
Há uma busca de uma nova visão mesmo, que passa por enfrentar o “complexo de vira-lata” que nos rege, como diria Nelson Rodrigues. A baixa autoestima do brasileiro se reflete em uma resistência à nossa própria produção. Se pensar que não temos todas as peças do Plínio Marcos em boas publicações, que grandes autores ainda são desconhecidos do grande público... É um problema de educação, que anda isolada da cultura.
Ao mesmo tempo, nossos teatros têm de aprimorar a maneira de receber as plateias, deixar que esse contato contamine a produção e estética desenvolvidas. Nesse sentido, faltam incentivos para reformas e manutenção de teatros, publicações, seminários e reflexão sobre o tema.
E, por fim, melhorar a relação do poder público com a administração e visibilidade dos teatros na cidade. A atualização da legislação é urgente.
Grupo Viradalata no Teatro Centro da Terra (Foto: Christiane Forcinito)