Anupama Sekhar trabalha para promover a cooperação cultural entre a Ásia e a Europa. Suas áreas de interesse incluem mobilidade cultural, gestão de patrimônio urbano e política cultural. Atualmente é vice-diretora interina do Departamento de Cultura da Fundação Ásia-Europa (Asef), que promove a cooperação cultural entre 49 países nos dois continentes. Também coordena a secretaria regional da WorldCP – Ásia, localizado na Asef. Coeditora dos livros Gerenciamento de Cidades Patrimônio: o Papel das Parcerias Público-Privadas – Boas Práticas da Ásia e da Europa (Cingapura, Asef, 2014) e Mapeamento da Diversidade Cultural: Boas Práticas de Todo o Mundo (Bonn/Cingapura, Comissão Alemã para a Unesco e Asef , 2010), Anupama Sekhar é, desde 2009, membro do grupo de jovens especialistas em política cultural U40, lançado pela Comissão Alemã para a Unesco e apoiado pela Federação Internacional das Coalizões pela Diversidade Cultural. Formada em inglês e literatura e estudos internacionais, Anupama já trabalhou no setor de artes e com as Nações Unidas na Índia. Também é dançarina treinada no estilo clássico indiano de Bharatanatyam.

Anupama Sekhar nos concedeu entrevista, que segue abaixo, no III Seminário Políticas para Diversidade Cultural, que ocorreu nos dias 26 e 27 de maio de 2014, em Salvador.

O evento, que contou com a parceria do Observatório Itaú Cultural, teve realização do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura/UFBA), do Observatório da Diversidade Cultural (ODC) e da rede U40 Brasil.

1 – Qual o papel da cultura no desenvolvimento sustentável do mundo contemporâneo? Ela assume um papel proativo ou reativo no contexto de crises dos nossos tempos?

Uma das questões mais importantes do nosso tempo é se a cultura assume um papel proativo ou reativo em relação aos desafios globais da atualidade. No passado recente, nós a vimos proativa, especialmente quanto ao meio ambiente e a questões de mudanças climáticas. Mas o principal ponto é: ela seguirá dessa forma?

Nos últimos três anos, vimos as Nações Unidas reconhecerem que a cultura é um componente muito importante para o desenvolvimento sustentável. Mas por que cultura é importante para isso? Acredito que, como seres humanos, ela é nossa característica mais marcante. Vivemos, respiramos e alimentamos nossa cultura. Se não a levarmos em consideração, é impossível obter sucesso em qualquer tipo de iniciativa. Essa cultura proativa deve ser central em todas as ações de desenvolvimento sustentável e também para a comunidade cultural, que deve se engajar de maneira mais proativa em outros setores. Uma das críticas mais interessantes do setor cultural sempre foi o de falar apenas sobre si mesmo e não para os outros setores. Acho que é hora de isso mudar.

2 – Qual o potencial da economia criativa para o desenvolvimento tanto em nível local quanto nacional? Quais parâmetros devem ser levados em consideração no desenvolvimento de uma política pública para a promoção da economia criativa num país como o Brasil?

Atualmente, não há nenhuma dúvida sobre a importância da economia criativa, em todos os âmbitos. A questão que devemos levantar em relação à economia criativa é: as políticas públicas feitas para um país específico, como o Brasil, atendem, de fato, às realidades do local? Eu diria que dois fatores devem ser considerados ao produzir políticas públicas nessa área. O primeiro é ter consultas públicas que dialoguem com as comunidades, para que as necessidades deles sejam reconhecidas antes que uma política entre em vigor. O segundo é ir além de empregos, além do impacto econômico da economia criativa, e ver como ela pode, de fato, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Qualquer política pública deve considerar o elemento humano e não apenas o econômico.

3 – Pelo papel que desempenha na Asef, quais boas práticas na área de gerenciamento de cidades-patrimônio você destacaria na Ásia e na Europa? Quais requisitos são fundamentais para que essas práticas sejam bem-sucedidas?

Uma das mais importantes tendências que estão surgindo na Ásia e na Europa, em termos de gerenciamento de cidades-patrimônio, são as parcerias público-privadas. Desde os anos 1970, o financiamento público para gerenciamento de patrimônios caiu não só na Europa, mas também na Ásia, aumentando a participação de empresas privadas, de corporações e de cidadãos. Podemos observar que, cada vez mais, as cidades-patrimônio têm sido administradas por uma combinação complexa, que envolve governos locais e centrais, grupos de cidadãos, fundos patrimoniais e universidades, entre outras organizações do setor privado.

Alguns exemplos interessantes da Ásia e da Europa seriam a Think City, na Malásia, que é uma parceria público-privada para cuidar do patrimônio histórico de George Town, em Penang. Outro bom exemplo vem da região metropolitana de Manila, nas Filipinas, onde a Universidade Far Eastern assumiu o papel de protetora dos prédios art déco de seu campus. Essa iniciativa permitiu ao prefeito se engajar na causa, investir mais dinheiro no projeto e revitalizar toda a área. Ambos os exemplos apontam para o fato de que os setores privados precisam participar ativamente na administração.

Patrimônio não é feito somente de prédios históricos. Existem também modelos mais recentes, como o patrimônio industrial. Um bom exemplo é a Westergasfabriek, em Amsterdã, uma fábrica de 1880 que até a década de 1990 estava abandonada; os cidadãos começaram a se questionar por que aquele lindo prédio não era utilizado. O resultado hoje é um complexo cultural maravilhoso, cuja existência prova que governos e cidadãos podem juntos recriar e reconhecer um patrimônio histórico.

4 – Na área de diversidade cultural, quais práticas você destacaria na Ásia e na Europa? Novamente, quais requisitos são fundamentais para que essas práticas sejam consideradas exemplares?

Vou citar duas redes que operam na Ásia e na Europa, ambas para promover a diversidade cultural existente nos continentes. Uma é a Arts Network Asia, que conecta centros culturais pequenos e independentes e organizações artísticas por toda a Ásia. Ela recebe dinheiro de uma fundação privada e o aspecto mais interessante em seu trabalho é a promoção de todo o processo de explorar as diversas culturas asiáticas sem se prender nas exigências habituais normalmente impostas.

Já na Europa, a Trans Europe Halles, rede pan-europeia, promove centros culturais e conecta artistas e profissionais da cultura, e, novamente, o processo é mais importante que o produto. O objetivo de ambas as redes é explorar e celebrar a diversidade cultural em cada região. Esse para mim é um modelo interessante, pois qualquer tipo de financiamento recebido prende o setor cultural em uma enorme quantidade de “papelada”, em produzir algo de grande visibilidade, o que nem sempre é possível se alguém quer simplesmente celebrar a diversidade cultural. Esses tipos de iniciativa, menores e mais flexíveis, são essenciais para manter a vitalidade das culturas que existem em ambos os continentes, Asiático e Europeu.

5 – Como você enxerga as políticas culturais de promoção e preservação da diversidade realizadas no Brasil? Você reconhece alguma realidade exemplar ao redor do mundo que dialogue com a situação brasileira e poderia ser usada, com adaptações certamente, como benchmarking para o Brasil?

Acho que o que pode ser mais interessante nas políticas culturais em desenvolvimento é ter mais cooperação Sul-Sul. Há vários modelos culturais interessantes espalhados pelo Brasil que tranquilamente seriam úteis em países como a Índia, que passa pelos mesmos problemas de tamanho, diversidade cultural e pluralidade. O desafio está no fato de ser bem mais fácil se conectar e trocar ideias entre o Sul e o Norte do que somente entre países do Sul. Países como Brasil e Índia devem se conectar mais e trocar ideias sobre políticas, pois vivem realidades similares e teriam muito para compartilhar atualmente.

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