Caminhadas e transe inspiram projeto de Alessandra Leão
18/06/2019 - 19:30
por Letícia de Castro
Moradora do bairro paulistano da Barra Funda, a cantora pernambucana Alessandra Leão costuma se deslocar pela cidade a pé, sem fones de ouvido, atenta à paisagem, às pessoas, às conversas. É nessas andanças que nascem muitas de suas músicas, e foi desse hábito que surgiu seu projeto contemplado na edição mais recente do Rumos Itaú Cultural.
Acesa investiga as relações entre cidade, música e transe. “É uma pesquisa sobre o corpo caminhante, a caminhada e a deriva”, diz a cantora. A primeira etapa do projeto foi uma residência artística em cinco cidades de Pernambuco e da Paraíba, onde Alessandra entrevistou artistas locais sobre as relações da música, da poesia e da dança com o transe. Por dez dias, viajou acompanhada do produtor musical Caçapa, da artista Vânia Medeiros, do cineasta Luan Cardoso e da atriz Luciana Lyra, núcleo criativo da residência – que circulou por Recife, Olinda, Caruaru e Pilar, além do Quilombo do Ipiranga, no município paraibano de Conde.
Nesses locais, Alessandra entrevistou nove mestres ligados a expressões artísticas nordestinas, como coco e maracatu do baque solto, além da jurema, tradição religiosa típica da região. “São experiências que levam ao transe pela repetição da percussão e também pelo tempo de duração, que é longo. E existe a mistura da dança e da música com a espiritualidade”, diz a artista, que conduziu as conversas durante caminhadas à deriva, sem destino preestabelecido, pelas cidades. A inspiração para esse tipo de abordagem veio da pesquisa Cidade Passo, da artista, amiga e parceira Vânia Medeiros, que investiga a forma como as experiências de deriva no espaço urbano podem transformar a relação do indivíduo com a cidade.
As entrevistas foram documentadas em vídeo pelo cineasta Luan Cardoso e serão transformadas em uma websérie, com lançamento previsto para outubro. Tendo como ponto de partida o tema do projeto (transe, cidade, música e poesia), as conversas seguiram rumos diferentes e inesperados. “Conversar em movimento nos instiga a entrar em outro nível de profundidade, o foco no ‘agora’ é absoluto. Criamos também um olhar mais aguçado para a cidade”, diz a cantora. Além das entrevistas em vídeo, cada participante registrou por escrito o cotidiano da residência. Diariamente, após o término do trabalho, eles anotavam impressões, experiências e reflexões que surgiram durante esse processo, em uma espécie de diário. “É curioso ver o que sensibiliza cada um. A gente costumava trocar esses escritos no fim do dia, e eles eram muito diversos”, diz Alessandra, que gostaria também de publicar esse material em livro.
Essa primeira fase de imersão e investigação foi ainda uma preparação para a segunda etapa do trabalho, que deve durar até agosto. Em parceria com o produtor Caçapa, Alessandra vai compor o repertório de seu próximo disco, como uma espécie de síntese musical de toda essa investigação. Em setembro, deve ter início a produção da obra, cujo lançamento está previsto para o próximo ano, nas plataformas digitais.