Por Duanne Ribeiro

O legado de Abdias Nascimento é forte e ecoa. Para muitos, ele é visto como a personificação da luta antirracista no século XX no Brasil. A seguir, com o coletivo Preta e Acadêmica, começamos uma série de entrevistas sobre como grupos que pensam questões raciais nos dias de hoje reverberam as principais ideias de Abdias sobre essa luta constante.

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Preta e Acadêmica, logo

 


Como vocês veem a luta atual contra o racismo e pela afirmação da identidade negra? O que tem mudado, o que ainda precisa mudar?
Atualmente, a luta contra o racismo ganhou novos contornos, principalmente com o surgimento do web ativismo. No momento atual, os movimentos sociais possuem um importante papel na manutenção e na conquista de direitos sociais. Na redes sociais é possível promover a integração de pessoas de localidades distintas, conhecer relatos impactantes e promover campanhas. Através da página Preta e Acadêmica foi possível integrar mulheres negras de todo o país, conhecer suas histórias de vida, instrumentalizar os nossos discursos e promover a representatividade.

Obviamente, o web ativismo não atende a todas as necessidades das pautas raciais, mas, de certa maneira, projeta a discussão e os temas existentes por espaços anteriormente não alcançados. Nós avançamos muito, conquistamos espaços importantes – como o espaço universitário e aos poucos a mídia (o que cremos que tem como principal razão a pluralidade de vias de vocalização graças à internet) –, possuímos importantes referências estéticas nas redes sociais, mas devemos nos lembrar de que temos questões básicas relacionadas ao direito à vida da população negra sem soluções: nós adoecemos mais, morremos mais, somos maioria nas prisões, nas ocupações irregulares, no subemprego e no desemprego. Temos um longo caminho a percorrer e precisamos estar atentas a isso.

Como as atividades do Preta e Acadêmica se encaixam nessa luta? O que vocês conseguiram transformar com seu trabalho?
Somos quatro administradoras de dois estados diferentes e não nos conhecíamos pessoalmente quando criamos a página Preta e Acadêmica no Facebook. A ideia surgiu dentro dessa rede social. Fazemos parte de um grupo de mulheres negras e nos deparamos com páginas que ironizam situações vividas no mundo acadêmico, então pensamos: “Por que não tratar desse tema expondo as situações que vivemos cotidianamente?”. Começamos a conversar por mensagens e as ideias de memes não cessavam! Criamos a página em janeiro de 2015 e, de lá para cá, além dos memes tratando do nosso cotidiano no espaço universitário, temos feito posts visibilizando a produção de mulheres negras que nos antecederam e que estão começando (produzindo suas dissertações e teses), também temos nos posicionado em relação a casos de racismo (principalmente no mundo acadêmico) veiculados pela mídia. Diariamente, recebemos relatos que acabam por nos inspirar a produzir posts – de casos de racismo a dicas de publicação para a página, além de pedidos de ajuda com projetos. Nosso trabalho vem crescendo e esperamos que a página seja um veiculo de identificação entre as mulheres negras e cumpra um papel relevante na luta antirracista. Queremos comunicar que, apesar de sermos poucas nesse universo, não estamos sozinhas.

Como lutar contra o racismo, seja na cultura, seja na política, seja no cotidiano? O que cada um de nós pode fazer?
Lutar contra todo o tipo de restrição de direitos é um papel de todos e de cada um. Precisamente tratando da luta antirracista, uma postura que deve ser adotada pelos indivíduos é o respeito ao lugar de fala, isto é, compreender a vivência e o protagonismo de cada figura de luta sem silenciar ou relativizar suas vozes. Todos temos de lutar, mas é imprescindível que saibamos fazer isso nos lugares de fala e de maneira correta. Outra grande contribuição possível é a desconstrução e problematização dos privilégios em ambientes em que oprimidos ainda não conseguem estar.

Como veem o legado de Abdias Nascimento? Conhecem seu trabalho, ele as influenciou de alguma maneira, traz algo que lhes interessa?
Abdias Nascimento é a personificação da luta antirracista no século XX. Sua atuação na Frente Negra, passando pelo Teatro Experimental do Negro e pelo Movimento Negro Unificado, e seu engajamento na temática racial nas artes, na política e na docência nos ensina principalmente que é possível dedicar a vida à luta onde quer que estejamos trabalhando. Seu legado nos influencia diretamente e acreditamos que sua obra – os muitos livros que publicou – é referência fundamental para o trabalho acadêmico de intelectuais interessados em compreender o Brasil e nossas relações sociais.

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