Nascido na Polônia, em uma família de origem judaica, Frans Krajcberg (1921-2017) viu os horrores da Segunda Guerra Mundial e do nazismo – todos os seus parentes morreram nos campos de concentração. Durante a guerra, refugiou-se na União Soviética e iniciou seus estudos em engenharia e artes na Universidade de Leningrado. Tornou-se também oficial do Exército polonês, chegando a lutar nos campos de batalha. Após o fim do conflito, migrou para a Alemanha e ingressou na Academia de Belas-Artes de Stuttgart, onde estudou com Willi Baumeister, um dos fundadores da Bauhaus, e recebeu seus primeiros prêmios – custeados pelo próprio professor – como artista.

A guerra e a violência deixaram marcas profundas na vida de Krajcberg, o que refletiu diretamente em seus trabalhos artísticos. Questionamentos sobre a racionalidade objetiva e o tecnicismo que resultou em duas grandes guerras permearam o pensamento intelectual da primeira metade do século XX, e para Krajcberg era preciso se afastar da humanidade que produzia e reproduzia essas violências. “Detestava os homens. Fugia deles”, disse o artista em 2003, durante uma entrevista. “Levei anos para entrar na casa de alguma pessoa. Isolava-me completamente.”

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Verbete sobre o artista na Enciclopédia Itaú Cultural

Buscando esse isolamento do mundo racionalizado dos homens, Krajcberg escolheu o Brasil como lar em 1948. Após algumas dificuldades no Rio de Janeiro, conseguiu ajuda para se mudar para São Paulo, onde trabalhou como encarregado de manutenção no Museu de Arte Moderna (MAM) e estabeleceu amizade com Mário Zanini, Waldemar Cordeiro e Alfredo Volpi, outros importantes artistas visuais brasileiros. Expôs duas obras na 1a Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e explorou várias regiões do país em sua procura por um lugar na natureza – onde ele acreditava encontrar a força e o prazer de sentir, pensar e trabalhar. Em suas viagens, presenciou a destruição sistematizada das florestas, o que ajudou a definir não só seu trabalho artístico, mas também seu projeto de luta como ecologista.

“Cresci neste mundo chamado natureza, mas foi no Brasil que ela me provocou um grande impacto. Eu a compreendi e tomei consciência de que sou parte dela [...]. Desde então, o que faço é denunciar a violência contra a vida. Esta casca de árvore queimada sou eu.”

Além do Rio de Janeiro e de São Paulo, Krajcberg morou e trabalhou em estados como Paraná, Bahia e Minas Gerais – e em cidades europeias como Paris e Ibiza. Em cada lugar, o artista descobria novos materiais e técnicas – as “impressões de rochas”, por exemplo, foram desenvolvidas no período em que ele viveu em uma gruta-ateliê em Ibiza. Sobre essa produção, o artista e professor Fabrício Fernandino diz, em seu artigo “(R)evolução Frans Krajcberg, o Poeta dos Vestígios”:

“Eram reproduções de relevos que ele criava, utilizando moldagem da textura das rochas ou praias. Também realizava a aplicação direta do papel de arroz, preparado com aglutinante, modelando sobre a superfície da rocha. Finalmente, pintava essas reproduções com guache ou aquarela. Depois, começou a utilizar os próprios elementos naturais: terra, cascas, sementes, frutos – fixados a um suporte – criando volumes e formas abstratas”.

Em 1964, residindo em Minas Gerais, na cidade de Cata Branca, Krajcberg começou a pesquisar pigmentos e cores a partir das terras locais, e também formas e o uso do espaço, motivado pela geografia montanhosa da região. Foi nesse momento que surgiram suas primeiras esculturas com troncos de árvores já mortas pela ação do homem. No começo da década de 1970, comprou o terreno do amigo Zanini e construiu o sítio Natura, em Nova Viçosa, no sul da Bahia, lugar com matas ainda intocadas, situadas ao longo de alguns quilômetros de praias desertas, onde estão os ateliês do artista e sua famosa casa construída em uma árvore.

Nesse contexto isolado, idílico, imerso na natureza, Krajcberg desenvolveu sua pesquisa com as esculturas-troncos, feitas de madeira bruta, polida ou não. São desenhos no espaço, feitos pela natureza e modificados pela ação violenta do homem. Resultado das queimadas, as esculturas-troncos são a representação do grito da natureza – fixadas no solo, buscam se libertar, direcionando-se para o alto. O artista passou a utilizar o preto e o vermelho em suas obras, representando o carvão e o fogo, respectivamente. Fez viagens constantes para a Amazônia e para o Pantanal do Mato Grosso, onde registrou, também por meio da fotografia, os desmatamentos e as queimadas. Recolheu materiais durante as viagens, como troncos, cipós, raízes queimadas e palmeiras ressecadas pelo fogo, e os utilizou na criação de esculturas.

Obra em primeiro plano de Frans Kracjberg no Itaú Unibanco
Obra de Frans Krajcberg em primeiro plano, na sede do Itaú Unibanco

Em uma de suas idas à Amazônia, acompanhado do artista plástico iugoslavo (radicado no Brasil) Sepp Baendereck e do crítico francês Pierre Restany, elaborou, do alto do Rio Negro, o Manifesto do Naturalismo Integral, ou Manifesto do Rio Negro, como uma forma de provocar uma reflexão sobre a originalidade expressiva da natureza encontrada no Brasil, encorajando os artistas do país a explorar a natureza como possibilidade estética e a recusar os padrões importados, que pouco dizem sobre nossa sensibilidade como povo.

“A natureza amazonense coloca minha sensibilidade de homem moderno em questão”, comentou o artista. “Ela coloca também em questão a escala de valores estéticos tradicionalmente reconhecidos. O caos artístico atual é a conclusão lógica da evolução urbana. Aqui [na Amazônia], somos confrontados com um mundo de formas e de vibrações, com o mistério de uma transformação contínua. Devemos saber como tirar o melhor partido.”

Engajada nas questões ambientais e na defesa da vida, a arte de Frans Krajcberg é um grito, uma denúncia contra a destruição do único lugar possível para a vida humana, a Terra. Mas é também uma provocação em relação às concepções estéticas importadas e mimetizadas pelos artistas brasileiros. No fim de sua vida, Krajcberg se via mais como um ambientalista do que como um artista; a militância em defesa do planeta e de uma nova consciência humana, não apartada da natureza, tornara-se prioritária em sua obra e sua vida.

“Com minha obra, exprimo a consciência revoltada do planeta.”

Em 1998, o Itaú Cultural promoveu o evento multidisciplinar Amazônicas, que contou com painéis fotográficos que mostravam as imagens de queimadas capturadas por Krajcberg e também com um conjunto de obras tridimensionais feitas de madeira retirada das queimadas da região. Em 2018, o instituto retoma esse debate com a exposição do artista sergipano Véio, escultor que, após utilizar cera de abelha e barro em seus trabalhos, passou a lançar mão da madeira – aproveitada de derrubadas e loteamentos abertos nas matas de Sergipe – como matéria-prima para sua arte.

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