Por Camile Busato
Integrada pelos artistas Heloísa Souza, Felipe Fagundes, Moisés Ferreira e Pablo Vieira, a Sociedade Cênica Trans, de Natal, Rio Grande do Norte, se dedica desde 2013 a criar obras que encontrem relevância na cena contemporânea por meio de encenação performática e atravessamento entre diversas práticas artísticas.
Em sua terceira montagem, Tratados de Mim Mesma na Infertilidade – que conta com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural –, a diretora Heloísa Souza parte do monólogo de Samuel Beckett, Not I, para tratar de um feminino autônomo, que gera a si próprio e não aos outros.
“O espaço cênico que está sendo criado é o psicológico, o espaço interno de uma mulher em estado de consciência sobre si mesma”, conta Heloísa. “A infertilidade não tem a ver com o lado negativo, com algo que não produz, mas com a possibilidade de pensar a mulher não a partir do que ela gera. Tem sempre uma mulher parindo quando as pessoas falam do feminino. Essa exigência, que surge da possibilidade biológica da mulher, também é uma forma de opressão. Não me determino mulher a partir do que eu gero; eu gero a mim mesma. Não sou alguém a partir do outro – do filho, do parceiro, de quem for.”
No entanto, a obra não trata apenas do feminino, mas da condição humana mais profunda: o existencialismo e o absurdo, temas centrais na obra de Beckett.
O contato com Not I se deu em 2010, quando Heloísa iniciou um processo de criação que se estende até hoje. A partir desse e de outros trabalhos de Beckett, surgiu um texto dramatúrgico autoral – e o que foi escrito está sendo “queimado” pelo grupo, cuja prática da encenação ultrapassa o texto. “A encenação está se criando além das coisas que eu escrevi”, explica a diretora.
“Me identifico muito nessa estrutura do Beckett”, continua ela, “na qual as personagens não são definidas a partir de uma história, como ocorre na dramaturgia tradicional. Elas não têm um ponto de identificação.”
Nas produções da Sociedade Cênica Trans, teatro se funde com dança, performance e artes visuais, uma vez que o prefixo “trans” faz referência a algo que atravessa, que vai além. Segundo Heloísa, “a ideia é fazer obras que perpassem linguagens e vão para além de pensamentos estéticos já condicionados e formatados. Em Tratados..., retomamos a ideia de encenação performática, sendo que a performance é utilizada para compor o processo de criação, os exercícios, as cenas, a dramaturgia”.
Um dos pontos altos do trabalho do grupo é a construção de imagens. “A gente chamou um artista visual para fazer da cenografia uma instalação em que os atuantes se movem e agem. São quatro pessoas em cena: Moisés Patrício, Pablo Vieira – que já são membros da Sociedade –, Mariana Batista e Rosana Oliveira, ambas com formação em dança. São pessoas com formações diferentes. Chamo corpos que me interessam a partir da sua expressividade”, diz Heloísa. No total, a equipe conta com 16 pessoas.
Tratados de Mim Mesma na Infertilidade estreia no dia 23 de setembro no Barracão dos Clowns, sede do grupo Clowns de Shakespeare, em Natal. Fica em cartaz até dia 30.