por Cristina Hilsdorf Barbanti
Centros de memória, públicos ou privados, possuem nomenclaturas variadas: centro de documentação, centro de referência e núcleo de documentação, entre outras que se assemelham a essa conjuntura organizacional. Porém, algo é intrínseco na organização desses dispositivos: a diversidade de materiais e de suportes que são (ou pretendem ser) armazenados. Ao adentrarmos nesse espaço instigador, nos deparamos com uma rica massa de exemplares documentais: papéis, cartazes, mapas, objetos tridimensionais, livros, CDs, películas e muitos outros, formando conjuntos heterogêneos.
Os centros de memória reúnem documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos, os quais, embora agrupados no mesmo espaço, possuem lógicas de tratamento e de representação diferenciadas. Exemplo disso são os documentos arquivísticos, que – diferentemente do que ocorre numa biblioteca, que registra os livros unidade a unidade, utilizando padrões definidos internacionalmente –, são catalogados de acordo com a lógica da produção documental e das funções exercidas pela organização. Devido a essa formação especial e heterogênea, questões relativas à representação e à recuperação da informação nesse ambiente se tornam de extrema importância e relevância.
Não podemos dizer que nos centros de memória ocorre uma mera reunião dos procedimentos da biblioteconomia, da arquivologia e da museologia, ou ainda que o tratamento de um tipo de acervo se sobreponha ao de outros. É necessário que ocorra uma "desnaturalização" da ação de integrar os acervos forçosamente. A prática da simples reunião dos acervos sem nova organização, principalmente no que se refere à representação temática da informação, resulta numa recuperação frustrada – daí a atualidade da discussão das questões relativas à recuperação e à representação da informação.
No que se refere à representação descritiva dos documentos (catalogação), nossa posição é que sejam mantidas as especificidades de cada acervo, ou seja, acervos arquivísticos devem continuar a ser catalogados como acervos arquivísticos, e o mesmo deve acontecer com os acervos bibliográficos e os museológicos. Porém, no que tange à representação temática dos documentos (conteúdo), trazemos como sugestão a construção de um instrumento de controle – um vocabulário controlado terminológico (VCT) – específico para o domínio temático do centro de memória em questão.
Ao fazermos essa sugestão, pretendemos neutralizar as representações descritivas dos documentos, sempre tão diversas e específicas num centro de memória, uma vez que esse instrumento de controle permite a recuperação dos documentos de forma integrada pelo assunto de interesse do pesquisador.
É necessário ressaltar que a ciência da Terminologia traz contribuição significativa para a área de representação e recuperação da informação, fornecendo princípios metodológicos de designação, identificação e relação entre conceitos, por meio de instrumentos terminológicos conhecidos como glossários e dicionários técnico-científicos. Todas essas contribuições teóricas da Terminologia são a base de construção e desenvolvimento de vocabulários controlados.
Os vocabulários controlados de um domínio específico do conhecimento, por meio de termos que representam o conteúdo de significação das informações mantidas por um centro de memória, possibilitam a proposição de uma rede lógico-semântica entre os seus termos, neutralizando a polissemia natural das palavras. Cada conceito é expresso por um único e inequívoco termo. Dessa forma, o modelo se torna prescritivo, impondo o termo que deverá ser usado em uma comunicação especializada.
Pensamos que os VCTs podem ser elaborados como uma linguagem que compatibiliza os termos de diversas outras linguagens – natural, do usuário, dos indexadores e da área de especialidade do centro de memória – com a linguagem do sistema de recuperação da informação, representando o foco temático selecionado pela instituição (centro de memória do circo, centro de memória ferroviário, centro de memória da educação...). Uma vez que a construção dos VCTs busca evidenciar as relações conceituais da sua área de interesse, entendemos que as unidades lexicais registradas nesses instrumentos de indexação devam ser constituídas em conformidade com a terminologia desse domínio específico do conhecimento.
Tendo em mente que a recuperação da informação ocorre sempre em relação a um contexto determinado, o qual possui uma terminologia específica, entendemos que os VCTs melhoram a qualidade do acesso à informação nos acervos de centros de memória, pois recuperam a informação documental de forma integrada. Essa prática deve ser entregue a especialistas que atuem em conjunto com a equipe do centro de memória.
Com esta discussão inicial, pretendemos fertilizar o campo de estudos sobre os pontos comuns e os diferenciais acerca da representação e da recuperação da informação nas áreas que compõem, na sua “forma ideal”, a ciência da informação: a arquivologia, a biblioteconomia e a museologia. Os espaços dos centros de memória parecem ser propícios para essa discussão, não?
Cristina Hilsdorf Barbanti é diretora da Pacta Clara – Organização de Acervos Documentais. Mestre em ciência da informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e bacharel em história pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), também da USP, é responsável pelo desenvolvimento de vocabulários controlados em instituições culturais e projetos multidisciplinares.